Alívio de sintomas faz pessoas mudarem de vida para uso de águas terapêuticas no interior de SP

São três opções de água disponíveis para consumo e banho em Águas de São Pedro. Relatos ouvidos pelo G1 vão de melhora de doença rara a mudança de decisão médica sobre amputação da perna; pesquisador afirma que há evidências científicas no tratamento.

Por Fernando Jacomini*, G1 Piracicaba e Região

Banheira com água Juventude, em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1
Banheira com água Juventude, em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1

Há oito anos, Júlio Guilhermo trocou a vida no Rio de Janeiro (RJ), onde nasceu, para morar em Águas de São Pedro (SP) em busca do tratamento para uma doença rara na pele. Ele é uma das pessoas a relatar ao G1mudanças na rotina após descobrir que a cidade paulista é berço de águas que prometem aliviar sintomas e até curar diversas enfermidades. “Os banhos têm melhorado muito minha pele”, afirma.

Os relatos ouvidos pelo G1 sobre os benefícios que as águas do município trazem à saúde vão de mudança de decisão médica sobre amputação da perna ao fim de internações causadas por complicação de doença nos músculos. [Conheça as histórias no fim da reportagem e também entenda sobre as águas]

“Há evidências que as águas terapêuticas ajudam no tratamento de diversas doenças”, afirma Fabio Lazzerini, geólogo especialista em geologia médica, pesquisador sobre águas termais e também presidente da Associação Latino Americana de Termalismo.

Águas termais podem ser consumidas gratuitamente em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1
Águas termais podem ser consumidas gratuitamente em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1

Na pequena cidade, que fica a 190 quilômetros de São Paulo (SP), as águas são valiosas e não há cemitérios nem aterros sanitários para evitar contaminações dos poços. Elas são divididas em três fontes e se diferenciam pela quantidade de cada propriedade que carregam e pelos gases.

A Gioconda e Almeida Salles podem ser bebidas pelos visitantes, e a Juventude, além do consumo oral, também é usada nos banhos de imersão por ser rica em matéria orgânica e ter o segundo maior teor de enxofre do mundo no nível de acidez alcalino, de acordo Lazzerini.

O pesquisador explica que o potencial de tratamento com as águas está relacionado à junção dos princípios presentes em cada uma delas, tornando-as “fármacos naturais”.

“Por causa do gás de enxofre, por exemplo, [a água] tem grande potencial de penetrar na pele e ir para o sangue durante os banhos. O enxofre também está presente em hospitais e em alguns produtos de tratamento para pele”, acrescenta.

Local em que há águas termais e banho de imersão em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1
Local em que há águas termais e banho de imersão em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1

Do Rio ao interior de SP

Nascido com Darier, doença dermatológica rara, Júlio tem 54 anos e sempre sofreu com as erupções na pele, com as “crostas” que se formam, com o mau odor e sensibilidade à luz solar. No Rio de Janeiro, trabalhava com edição de vídeos, mas precisou se aposentar cedo por causa dos sintomas. As maiores restrições da enfermidade são o contato com poeira e exposição ao sol.

Júlio à época em que começou o tratamento em Águas de São Pedro — Foto: Júlio Guilhermo/Arquivo pessoal
Júlio à época em que começou o tratamento em Águas de São Pedro — Foto: Júlio Guilhermo/Arquivo pessoal

Num dia assistindo televisão, ele viu uma pessoa com a pele parecida com a dele fazendo tratamento em Águas de São Pedro. Júlio conta que isso despertou a curiosidade em conhecer o município paulista e testar o banho.

“Comecei os banhos de 21 dias seguidos e passei a ter uma qualidade de vida 80% melhor. Antigamente, eu vivia com a cabeça inflamada. Hoje, raramente inflama”, lembra.

O tratamento começou a dar certo, então ele decidiu mudar de vez para terras paulistas com a mulher e o enteado.

Júlio conta que “banhos de manutenção” ocorrem três ou quatro vezes por semana, rito complementado com o consumo de água engarrafada que leva para casa. Segundo ele, há um tempo contraiu uma pneumonia e ficou impedido de continuar o tratamento. Nesse período, voltou a sentir os sintomas da doença dermatológica.

“Minha intenção é ficar por aqui. Me estabeleci, tenho minha casa, e a família se adaptou”, diz.

Além dos banhos, Júlio faz acompanhamento com dermatologistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e aproveita o tempo livre em casa para consertar equipamentos eletrônicos de vizinhos e de conhecidos.

Júlio faz tratamento há 8 anos em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1

Júlio faz tratamento há 8 anos em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1

Mudança de diagnóstico sobre amputação

Moradora de Santa Bárbara d’Oeste, a 56 quilômetros de Águas de São Pedro, a aposentada Aparecida Roman Campos, de 59 anos, conta ao G1 que teve complicações em uma das pernas após uma fratura em 2006: o organismo acabou rejeitando a prótese que colocou. A situação evoluiu para osteomielite, uma doença infecciosa que atinge os ossos e a pele.

Como as limpezas e o uso de antibióticos não surtiam efeito no tratamento, Aparecida lembra que a única alternativa que os médicos davam para o tratamento era a amputação. “Fui em três ortopedistas e falaram isso. Aí meu genro ficou sabendo de uma mulher que tinha ido tomar os banhos por causa de uma fratura no fêmur e que tinha a mesma doença”, conta.

A partir disso, a aposentada e o marido começaram a “revezar” a moradia nas duas cidades para que ela seguisse os banhos terapêuticos com acompanhamento de um médico de Águas de São Pedro. A rotina já dura 9 anos, e Aparecida afirma que bastaram 12 sessões seguidas para a melhora começar a ser percebida.

Aparecida diz que anda normalmente após tratar infecção — Foto: Fernando Jacomini/G1
Aparecida diz que anda normalmente após tratar infecção — Foto: Fernando Jacomini/G1

Uma vez por ano, a aposentada faz consulta de rotina na Unicamp e, apesar de uma das pernas ter ficado mais curta, conta que não tem dificuldades para andar e que tem que tomar os banhos de manutenção três dias seguidos, quinzenalmente, alugando neste período uma casa em Águas de São Pedro.

“Hoje faço meu serviço da casa e tenho uma vida normal, graças a Deus. Com certeza, as águas ajudaram muito”, relata.

Infecção começou após complicação de fratura — Foto: Fernando Jacomini/G1
Infecção começou após complicação de fratura — Foto: Fernando Jacomini/G1

Marido também começou tratamento

Com os efeitos positivos no tratamento de saúde da mulher, o marido de Aparecida, José Sebastião Campos, de 63 anos, começou os banhos e o consumo da água para tratar a polimiosite – enfermidade degenerativa que causa dor e fraqueza muscular. “Eu era sempre hospitalizado por causa dos sintomas. Depois que comecei os banhos, nunca mais fiquei internado”, diz.

Sebastião conta de forma poética sobre o tratamento de saúde da mulher dele. Além disso, a felicidade pelos resultados do tratamento fez com que até escrevesse um livro, ainda não publicado, sobre as águas e a cidade.

A Sociedade Brasileira de Reumatologia informou ao G1 que não há evidências científicas sobre a efetividade das águas para o tratamento de saúde dele.

José Sebastião Campos trata polimiosite  — Foto: Fernando Jacomini/G1
José Sebastião Campos trata polimiosite — Foto: Fernando Jacomini/G1

Comprovação científica nos tratamentos

O pesquisador Fabio Lazzerini afirma que, apesar de não haver estudo brasileiro prático recente que diz respeito ao potencial das águas terapêuticas para o tratamento médico, pesquisas internacionais feitas com águas com os mesmos princípios das de Águas de São Pedro apontam efetividade no tratamento de diversas enfermidades.

“Em alguns países como Japão, Cuba e da Europa, há ensaios clínicos com essas águas que comprovam a eficácia em tratamento de problemas reumatológicos, dermatológicos e emocionais. Nesses locais, as pessoas buscam não só para medicina, mas também para tratamento de bem-estar”, frisa.

Lazzerini indica que a diferença de cada uma das três águas da estância hidromineral do interior de São Paulo está na quantidade de sulfato, de bicarbonato e de cloreto, além da concentração de gases. A água Gioconda tem também o gás radônio e torônio, por exemplo. As águas terapêuticas são permitidas pelo Código de Águas Minerais do Brasil.

Fontanário Municipal de Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1
Fontanário Municipal de Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1

Segundo o pesquisador, que defendeu uma tese de doutorado sobre as águas termais, a água Juventude é considerada uma das águas mais ricas em matéria orgânica do país e tem o segundo maior teor de enxofre gasoso no mundo, no nível de acidez alcalino, atrás apenas da Itália. Isso faz com que o líquido se destaque para o tratamento de saúde, conforme acrescenta.

“Há um controle biológico mensal nos poços, então as águas não precisam ser tratada e são usadas no banho e para o consumo do jeito que saem de lá”, diz.

O que diz a Sociedade de Dermatologia

Em nota, a Sociedade Brasileira de Dermatologia informou que a constituição das águas termais ajudam no sistema imunológico e no dano oxidativo ao organismo, além de ter ações bactericidas e antissépticas que agregam valor a doenças na pele, como lesões úmidas, infecciosas, alérgicas ou com eczema – irritação.

“Além disso, essa composição das águas termais pode aumentar a imunidade da pele, melhorando a hidratação e a composição da camada da epiderme. […] Existem algumas evidências na literatura da melhora de doenças inflamatórias e reumatológicas, o que sugere possíveis benefícios para a pele, apesar de não haver grau de evidência científica a respeito”, completa o texto.

Sociedade de Infectologia

Ana Lúcia Munhoz Lima, professora e chefe do serviço de infecção do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Universidade de São Paulo (USP) afirma que desconhece qualquer evidência científica que diz a favor ou contra o tratamento com águas terapêuticas. A médica é também consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

“As terapias alternativas devem ser ponderadas e feitas com muito cuidado por causa disso. Entre o tratamento de osteomielite está a cirurgia para limpeza da área e consumo de antibióticos”, explica.

A SBI informou ainda que produziu uma diretriz pan-americana para tratamento da osteomielite, disponível na internet.

São três opções de águas terapêuticas em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1
São três opções de águas terapêuticas em Águas de São Pedro — Foto: Fernando Jacomini/G1

Tipos de água

As águas termais de Águas de São Pedro podem ser tomadas em pequenas doses diárias e uma delas, a Juventude, é também usada para os banhos de imersão em banheiras do spa que fica na cidade. A Gioconda é captada em um poço que fica na vizinha São Pedro (SP) e transportada para lá diariamente por caminhões.

De acordo com a prefeitura, as águas são regulamentadas e controladas pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério de Minas e Energia.

  • Juventude:água sulfurosa, com o segundo maior teor de enxofre do mundo. Indicada para o tratamento de reumatismo, diabete, alergia, asma, colites, moléstias de pele, intoxicação e inflamação;
  • Gioconda: água sulfatada sódica radioativa, indicada para tratamento de fígado, vesícula biliar e intestinos;
  • Almeida Salles:água bicarbonata sódica, indicada para o tratamento de azia, excesso de acidez gástrica, diabetes e cálculos renais.

Saiba como usar

Os banhos de imersão custam R$ 28 e podem ser tomados no Spa Thermal Dr. Octávio Moura Andrade, localizado na Avenida Carlos Mauro, 213, em Águas de São Pedro. No local e também no fontanário ao lado é possível engarrafar os três tipos de água gratuitamente. O telefone para informações é o (19) 3482-1333.

Os visitantes podem participar de atividades de arborismo, visitar o mini horto, passear de trem turístico e conhecer fontes das águas terapêuticas. O município é também o ponto final do Caminho do Sol, roteiro paulista que começa em Santana de Parnaíba (SP) e usado por peregrinos e ciclistas. Há opções gastronômicas no estilo gourmet na cidade, que sedia também o Grande Hotel São Pedro, hotel-escola do Senac.

O acesso a Águas de São Pedro pode ser feito pela Rodovia Geraldo de Barros (SP-304).

Fonte: G1

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